[pullquote]Quando 23 portugueses receberam terras grátis, as sesmarias, atraímos as pessoas erradas, as que são seduzidas pelo conceito do tudo grátis.[/pullquote]
Estudar para quê, se podemos obter tudo grátis.
Que incentivo nossos jovens têm para estudar e obter uma competência, se até os 21 anos a maioria daquilo que querem obtém de graça?
Não é por acaso que o sonho de todo brasileiro é ganhar no bingo, na loteria, no jogo do bicho, na corrupção ou arrumar um emprego público atendendo mal o cliente que não tem como reclamar.
Quando adultos, vão sonhar em ser professores com direito ao que nossos intelectuais chamam de o ócio criativo, o best seller do Domenico De Masi, por sinal só no Brasil.
A sedução do tudo grátis começou com nossa colonização, quando 23 pessoas receberam terras grátis, as sesmarias.
Atraíram as pessoas erradas, as que são seduzidas pelo conceito do grátis.
Depois veio D.João VI que deu casas grátis a todos de sua corte.
Daí, para a elite pedir aposentadorias integrais pagas pelo povo brasileiro foi um pulo.
Hoje temos TV grátis, onde se pode assistir a shows, novelas, filmes, sem pagar nada. Até noticiários, sem pagar absolutamente nada.
Depois veio o chamado ensino grátis, a escola pública grátis, a universidade grátis, como se um jovem com ensino secundário completo fosse um excluído da sociedade e não pudesse trabalhar em alguma coisa para pagar pelos seus estudos.
Vinte cinco por cento dos americanos trabalharam no McDonald´s porque a maioria pagava seus estudos, pelo menos sua mesada.
No Brasil, a UNE nunca parou para pensar que obviamente não há ensino grátis, alguém paga estes professores.
Quem paga são justamente os milhares de trabalhadores brasileiros cujos filhos não entraram na faculdade.
Mas nossos intelectuais, que erroneamente se autointitulam de esquerda, estão defendendo a espoliação dos pobres para privilegiar a educação dos mais inteligentes.
São os mesmos intelectuais e professores que defendem o mestrado grátis para marmanjos de 27 anos com curso superior completo.
Defendem o doutorado grátis para pessoas com 35 anos em média, e já portadores de mestrado.
Será que este pessoal nada aprendeu de útil para poder trabalhar e pagar o restante de seus estudos?
Mais um exemplo da espoliação dos pobres pelos mais inteligentes.
Isto não é esquerda, minha gente. Isto não é Administração Socialmente Responsável da coisa pública.
Estes indivíduos usam o rótulo de esquerda para encobrir outra coisa.
Recentemente veio o software grátis, a internet grátis, mp3 grátis, conteúdo grátis.
Têm jovens que possuem nos seus computadores mais de 10.000 dólares de softwares piratas, ou grátis, US$ 6.000 dólares de músicas piratas grátis, e acham isto aceitável.
Não vai fazer falta a ninguém. Michael Jackson não precisa mais de dinheiro, Bill Gates é suficientemente rico como está.
Se tudo é grátis até a adolescência, como manter tudo grátis na fase adulta?
Por isto criamos no Brasil partidos políticos cujo objetivo é obter uma série de benefícios para seus devotos sem pagar absolutamente nada.
Lutamos por um Estado cada vez maior que nos forneça renda mínima grátis, aposentadoria grátis, passes de ônibus grátis, saúde grátis, ensino grátis, cultura grátis, remédios grátis, o céu é o limite.
Se você é um destes, lamento dizer que você está pagando um preço, um preço caro.
Você se tornará dependente daqueles que estão dando algo de graça.
Vamos começar com o primeiro e mais pernicioso dos grátis, a televisão grátis.
Você, em troca do grátis, está aceitando o conceito do anúncio de televisão, permitindo grandes empresas monopolistas controlar a nossa mídia e o conteúdo dos programas.
Os donos de TV tremem na base quando um anunciante reclama dos programas ou do conteúdo de uma TV.
Tente falar com o dono de uma TV agora.
E se você for o presidente da Nestlé, quanto tempo você acha que vai esperar na linha?
Por que a diferença?
Porque a TV é grátis, o anúncio não.
A Nestlé paga caro pelo anúncio, você paga nada para assistir sua TV.
Agora mudemos de posição.
Comece a pagar pela televisão em troca do compromisso de não ter mais anúncios.
Que tipo de país nós teremos daqui a 30 anos?
Um país consumista, um povo induzido a consumir por 3.000 jingles por dia.
Somos um país consumista, da telenovela e da pornochanchada, do Ratinho e dos filmes violentos porque você apoia a TV grátis.
Mas este não é o maior preço que você está pagando.
Antigamente se estudava música, piano, canto e poesia, com o objetivo de entreter a família e os amigos numa noite gostosa.
Uma noite fraternal e gostosa onde se discutia e aprendia com os mais velhos e se criavam laços de amizade.
Hoje, toda a família fica muda diante da TV, amigos não vem mais fazer visita, todo mundo vive separado porque a TV é grátis. Nem junto a família fica, cada um no seu quarto assistindo seu programa favorito.
Este é o preço que pagamos pela TV grátis.
Hoje a maioria dos nossos jovens não lê livros porque livro custa, e não dá para competir com quem vende de graça.
Quem lê um livro pode parar a qualquer minuto, pode ajudar as mães a colocar a mesa, pode responder a uma pergunta do irmão.
Uma TV não para, e a família tem de ouvir. “não me interrompa, estou assistindo TV”.
O ensino grátis também tem um enorme custo. Primeiro, para aqueles pais cujos filhos não são tão inteligentes e que estão pagando por você.
Por que justamente os mais inteligentes não precisam pagar pelo ensino?
Por que tipo de sociedade justa nossos pseudointelectuais estão lutando?
Por que nossos intelectuais não ensinam justamente os menos inteligentes, aqueles que mais se beneficiariam da educação?
Todo mundo sabe que os mais inteligentes darão certo com ou sem educação. 80% dos alunos da USP desistem dos cursos por desmotivação e por achar as aulas perda de tempo, e eles não ficam mais pobres por isto.
O vestibular é uma estratégia egoísta dos nossos intelectuais porque sabem que é muito mais fácil ensinar jovem brilhante que não precisa de muito para aprender.
Uma das mentiras mais escabrosas divulgadas por estes acadêmicos especializados em educação é a de que quanto mais educação, maior é a renda do aluno, e por isto sugerem cada vez mais gastos em educação.
Na realidade, renda correlaciona-se com inteligência e se eu selecionar os mais inteligentes é óbvio que quem sai da faculdade ganhará mais.
Ou seja, ensino grátis para os mais inteligentes não é uma justiça social, pelo contrário.
Meus colegas de Harvard estudavam 10 vezes mais do que eu que recebi uma bolsa do governo brasileiro.
Isto porque Harvard era uma universidade paga, apesar de ser uma fundação sem fins lucrativos.
Por ser paga, os alunos estudavam que nem loucos para poder pagar a dívida contraída, o crédito educativo.
Criaram um sistema onde os mais inteligentes estudam como uns loucos.
Nós temos um sistema onde os mais inteligentes não têm incentivo maior para estudar, e pior ainda, onde os professores não têm estímulo para dar o melhor de si.
Para minha surpresa, os alunos reclamavam quando a aula era mal dada. Exigiam seu dinheiro de volta quando o professor faltava, o que raramente acontecia.
Os professores ganhavam bem, estudavam o que havia de mais novo, se preocupavam quando um aluno não aprendia.
Isto porque quem pagava era o aluno, não o Ministério da Educação de Brasília.
Ensino pago pelos outros é um engodo para acobertar a falta de compromisso com a educação.
E o resultado está aí, alunos com diploma, mas sem conhecimento.
Se tudo é grátis e fácil de obter, para que estudar e se preparar para o trabalho? Para que aprimorar o seu talento, se não há necessidade da dar algo em troca?
Muitos professores ensinam seus alunos que tudo deveria ser grátis, a renda, as terras, o ensino, as aposentadorias, a saúde, o teto, a comida.
Estão criando um povo dependente, submisso, sem iniciativa, que irá votar no sistema e manter os distribuidores do dinheiro alheio no poder.
Uma vez instalada a cultura do tudo grátis, não há mais volta.
Não há partido político capaz de vencer uma eleição propondo a volta do tudo pago. Você está caindo no canto da sereia, uma advertência lançada 2.500 anos atrás na Odisseia de Homero.
Mas o pior de tudo é que o pessoal que prega o software livre, o ensino gratuito, o tudo grátis, está pregando o egoísmo, o mais puro dos egoísmos, o de receber e não dar nada em troca.
Pense um pouco antes de ficar furioso comigo.
O que você já deu em troca para a TV Globo pelas novelas grátis, noticiário grátis, filmes grátis?
O que você já deu em troca pelos softwares grátis?
Quantos programas você fez e disponibilizou na internet?
Quantas músicas você compôs e disponibilizou na internet?
Isto tem um preço que você ainda não percebeu.
Você lentamente vai perdendo sua autonomia sem saber.
É uma forma de dependência que lhe destruirá a alma, pode crer.
Vou lhe dar um exemplo assustador.
Se eu tivesse cobrado por este texto você provavelmente nunca teria lido estas críticas e alertas.
A TV, os políticos, os anunciantes, só querem fazer o que lhes agrada, nunca mais você terá um pai ou um avô com a ética de lhe contrariar, o altruísmo punitivo tão importante para a manutenção do tecido social.
Nunca mais você irá ler alguma coisa que não lhe agrade, uma crítica que lhe faça pensar.
Portanto, lembre-se na próxima vez que você assistir alguma coisa grátis, quem está lhe manipulando jamais fará algo para lhe constranger.
Quando aceitamos um produto ou serviço grátis…nos tornamos este produto ou serviço. Ari Stürmer
mas você é filósofo em!
Também acho que a gratuidade desvirtua o produto.
Para a internet, sempre gostei da idéia de micro-pagamentos.
Por exemplo, para o seu texto, Kanitz, como apertamos o botão “curtir” ou “g+1”, poderíamos apertar um “2cents”. Cada um que goste do produto, contribuindo com seus caraminguás.
E para evitar roubo de créditos e scripts maliciosos, o dindin seria debitado ao final do dia, com um OK junto com o relatório q cada um receberia no email ou em um app pra celular.
Kanitz, genial. Que texto lindo, lúcido e claro. Parabéns por alertar uma pequena parcela da população para algo terrível que está acontecendo em nosso país.
Um dos melhores textos que já li no blog!
Discordo apenas que o texto foi “grátis”, já que, seguindo seu próprio raciocínio, havia um anúncio da Tim no topo da página.
Prof. Kanitz, concordo com o seu ponto de vista no entanto gostaria de chamar a atenção para um possível engano na nomenclatura adotada por você. Creio que quando fala do “software livre” quis dizer “software pirateado”.
Software livre é um software distribuído com seu código-fonte, que permite ao usuário adaptar, modificar e distribuir, desde que dentro dos limites de suas licenças.
CARO KANITZ, PARABÉNS: UM ARTIGO DA QUALIDADE DOS SEUS QUE ACOSTUMEI A LER, DIVULGAR, SALVAR E UTILIZAR COMO ‘REVOLUCIONE A SALA DE AULA’ OU ‘APRENDENDO A PENSAR’. Seria ótimo se o colunista da Veja Iochpe também pudesse ler. Talvez mudasse suas pelo menos parte de suas
discutíveis convicções sobre educação…
Parabéns Kanitz pelo artigo esclarecedor. As manifestações recentes mostraram que a tendência do tudo grátis ainda está muito forte.
Simplesmente genial o seu texto, caro Professor! Parabéns e vida longa e produtiva ao senhor!
muito bom, adorei o texto!! parabéns!!
Fantastico!
Texto excelente. É impressionante como diversas situações que fazem parte do nosso cotidiano,, – despercebidas, automática – nos afetam de uma maneira desproporcionalmente maior do que a atenção dada a elas.
Muito bom! Ainda não havia parado para refletir sobre o lado obscuramente negativo do grátis. Parabéns e obrigada por abrir meus olhos!
Professor Kanitz,
muitos de seus argumentos são válidos, porém é necessária a distinção entre software pirata (cópia não autorizada, que configura um crime), software grátis / freeware (muitas vezes subsidiado através de publicidade) e software livre / free software ou código aberto / open source (que respeita a liberdade dos usuários de computador através da disponibilidade do código fonte para análise e alterações). Ocorre uma confusão com o termo “free” do software livre, mas que indica liberdade e não gratuidade, uma vez que pode existir a cobrança de licenças ou outras formas de remuneração para softwares livres ou de código aberto.
Quanto a programas / músicas / textos que são disponibilizados sem custo na internet, muitos deles são licenciados através de licenças alternativas, como a Creative Commons, que é um modelo mais flexível de propriedade. Particularmente já fui a shows de compositores que conheci através da divulgação livre da sua obra (com autorização do artista), que dessa forma consegue remuneração sem ficar preso a gravadoras ou editoras, por exemplo.
Se quiser conhecer um pouco mais, tenho uma rápida apresentação em http://www.slideshare.net/jessejr/cultura-livre e se quiser mais detalhes leia Cultura Livre: Como a Grande Mídia Usa a Tecnologia e a Lei Para Bloquear a Cultura e Controlar a Criatividade, disponível em http://softwarelivre.org/samadeu/lawrence-lessig-cultura-livre.pdf. Se preferir o original está em http://free-culture.cc/get-it/ ou http://free-culture.cc/freecontent/ (caso queira ou não pagar). Todos são licenciados legalmente.
Seu blog indica a permissão tanto de licença restrita Copyright © (no rodapé da página), quanto Creative Commons (na lateral direita), o que pode causar certa confusão.
Também vejo publicidade no blog, o que é uma forma de remuneração, então de alguma forma eu pago para ler os artigos, ou não?
Verdade verdadeiríssima.Mais uma vez parabéns Stephen.Obrigado.
Parabéns !!
Cada texto seu é muito esclarecedor!!
Professor, parabéns!
É preciso estar um estágio a frente para entender a profundidade e intuito maior de seu texto, quando estivermos com nossa mente liberta dos preceitos criados por essa liderança que tenta dar o tudo grátis, fica mais simples entender a franqueza e ideologia aplicada aqui.
Sinceramente acredito que este próximo estágio só é alcançado com conhecimento obtido através de nossa busca por educação e valorização de nossos mestres.