Por que Me Odeias Se Eu Nunca Te Ajudei?

[pullquote]Pobre quer pagar diretamente o seu médico e seu professor, única forma de garantir um atendimento decente e humanizado.[/pullquote]





 





Dilma e a cúpula do PT estão perplexos como o povo brasileiro, como é possível?

Um povo que tanto ajudaram nestes 13 anos. 

Para entender o que no fundo aconteceu, basta analisar este ditado espanhol.

Muita gente necessitada aceita ajuda de bom grado quando estão na lama, mas depois passam a ressentir e até a odiar aqueles que os ajudaram.

Ninguém quer receber esmolas, ninguém quer ajuda constante, a começar pelos nossos filhos.

Deixa que eu faço mãe” é a frase mais ouvida dos adolescentes.

Isto inclui pobres e mendigos, que no fundo acabam detestando as pessoas que dão as esmolas, as bolsas família, a saúde e a educação grátis. 

Pobre quer oportunidade, para poder pagar pelo que precisa, por mérito próprio.

Pobres querem pagar pelo seu transporte com dinheiro ganho honestamente, e não “redistribuído” dos cofres públicos. 

Pobre quer pagar diretamente o seu médico e seu professor, única forma de garantir um atendimento decente e humanizado.

Pobre não quer saúde grátis, educação grátis e aí ter que aceitar um médico qualquer, ou um professor desmotivado já que a cavalo dado não se olha os dentes

Além do mais, pobre que vive de esmola morre de medo que um dia estes “altruístas no poder” mudem de ideia ou mudem de causa prioritária, e  vá deixá-los na miséria novamente.

É o mesmo stress de todos nós que tememos perder o emprego. 

A ironia do destino é que o PT foi, de fato, quem mais ajudou os pobres de todos os partidos do passado.

Talvez esta seja a razão de todas as manifestações.

Por isto o PT a longo prazo poderá passar a ser o partido mais odiado de todos. Mesmo se mantendo por muitos mais anos no poder. 

No Brasil este sentimento é ainda pior.

Nossa cultura exige, corretamente, que se diga Obrigado, a cada favor e benesse.

Quem recebe uma benesse no Brasil faz questão de dizer que aquilo não é um favor, mas uma simples troca.  

Eu não estou recebendo um favor de você mas efetuando uma troca, a obrigação de lhe devolver o mesmo favor no futuro.

Estou por assim dizer assinando uma promissória, e quitando já este seu débito com um crédito meu, mesmo que seja pago no futuro.

A troca por uma obrigação futura é muito mais digna para o pobre ou o recebedor do que um simples agradecimento, como se faz nos países anglo-saxões.

Lá se diz Thank You, eu te agradeço e pt saudações.

O povo brasileiro é eticamente muito mais digno, acredita no Altruísmo Recíproco, e não da caridade de mão única. Eu vou pensar em você no futuro.

Por isto o Socialismo da Esquerda, e a Filantropia e Caridade da Direita não rendem os frutos de gratidão que socialistas e capitalistas esperam.

Reagem como a Dilma, como somos bons e como os pobres são ingratos.

Não, não são.

Pobre tem dignidade.

Ele tem algo que o Socialismo Altruísta e o Capitalismo Egoísta destruíram, os valores Vitorianos e do próprio Feudalismo.

O período Vitoriano e o Feudalismo, apesar de seus males, possuiam valores éticos muito bem definidos, que eram as virtudes humanas.

Lutava-se pela Honra, por exemplo.

Um Renan vitoriano teria se defendido daquilo que dizem dele na Internet e Lula não teria sumido no meio desta crise.

Eram sistemas que valorizavam valores como honestidade, economia, coragem, perseverança, poupança, previdência, amor fraternal, algo totalmente esquecido nos regimes que sucederam.

Até o Noblesse Oblige, a obrigação dos nobres, deixou de existir, como se vê em Brasília. 

O PT, o PSDB, o PSOL, o PSTU, o PMDB, etc, transformaram a sociedade brasileira em pedintes.

A Revolta de Junho de 2013, longe de ser um avanço foi um enorme retrocesso.

O Movimento Passe Livre mostrou ser mais um movimento pedinte, agora do transporte grátis, pedindo mais esmola e mais descontentes no final.

O ser humano, como brilhantemente aponta o ditado espanhol, quer autonomia, quer poder cantar, I Did It My Way.

E odeia os falsos altruístas com o dinheiro do próprio povo brasileiro. 

 

9 Comments on Por que Me Odeias Se Eu Nunca Te Ajudei?

  1. Kanitz.

    O senhor está muito filosófico demais hoje…

    Acho que esse fenômeno não é dos pobres, e sim da classe média que muito paga e pouco recebe. Tanto que muitos dos manifestantes não precisam dos R$ 0,20 da passagem.

    E outra coisa. Infelizmente, no Brasil, pobre gosta de ser sustentado sim. E gosta de pão e circo, mas o governo prejudicou o fornecimento de pão (com a inflação dos alimentos dos últimos tempos) e o circo (já que os estádios não foram feitos para os pobres).

    Além disso o ser humano se acostuma com as coisas. Lembra quando vc mudou de emprego e passou a ganhar o dobro? Seis meses depois esse aumento de 100% não fez mais diferença, pois vc se acostumou com esse padrão. Com os pobres é a mesma coisa. Eles já se acostumaram com o que ganham e agora querem mais.

    É isso!

    Abs.

  2. Caro Prof Kanitz
    Saudações
    Interessante texto e reforça a necessidade de se criar meios de valorização do Ser Humano, esmola desvaloriza. Ajudar o proximo é auxiliar em sua conquista e não em ofertar compartilhar os louros da conquista alheia. Num texto bíblico diz que o homem deve sustentar-se com o suor de seu trabalho, pois o alimento ofertado com suor alheio não é merecedor. Existe um filme americano de um lutador, boxeador, que no periodo da crise de 29 ele recorre a ajuda do governo e quando ele consegue se auto manter devolve ao serviço social a quantia recebida.
    Em alguns programas públicos, como exemplo, programa de melhoramento genético animal, doação de sêmen bovino para pequenos produtores, o que se observa é a falta de compromisso e seriedade por parte de quem doa e de quem recebe. Quando se estipula um valor a ser remunerado pelo sêmen o programa obtem melhores resultados. ” O Trabalho dignifica o Homem!” e “Tudo que vem fácil, vai facil”… Ensine, acompanhe, oriente a pescar e não dê o peixe, pois o dia que este peixe vier um pouco diferente, isto será um motivo de rebeldia contra voce…

  3. Bom dia, Kanitz. Concordo em parte com seu texto, no que tange às benesses oferecidas pelo governo. Tenho uma pequena empresa, e sinto como está difícil a recolocação de meu quadro de funcionários quando algum é demitido. Hoje não precisam mais trabalhar para terem o sustento: bolsa família, leve gás, leve leite, cestas básicas em instituições, pagam menos luz e água, auxílios que eu nem conheço e nunca investem em saúde e educação para os filhos, etc…
    O que eu não concordo, é referente à revolta dos últimos dias: vemos muitos resultados acontecendo em virtude destes atos, entre eles alguns projetos sendo votados e outros sendo arquivados. O congresso e os governantes estão refletindo se seus atos obterão aprovação do povo, o que outrora não acontecia.
    Tambem analiso que nós vamos pouco às ruas para reivindicar nossos direitos quanto aos abusos cometidos com o poder público, corrupção(o grande problema do país) , obras super faturadas, e a farra com o erário feita pelos nossos representantes.
    O senhor sabe que o sistema está corrompido e que somente a revolta popular poderá surtir algum efeito bom para nosso país.
    obrigado pelo artigo

  4. Não me surpreende você defender a antiga esmola e ser contra políticas de cunho social democrata, também não entendeu absolutamente nada dos protestos de junho, a “Revolução do Indivíduo”. Putz, tá mal, vai mal!

  5. Prof. Kanitz, sob o ponto de vista psicológico seu artigo está ótimo. O problema da pobreza deve ser tratado dentro dos fundamentos capitalistas, ajudando os menos favorecidos a se incluirem no sistema de renda, poupança e consumo e nunca por caridade. Não é possivel distribuir renda, o que se distribui é a riqueza produzida pela renda. Podemos, sim, criar fontes de rendas para as pessoas.

  6. “Um povo que tanto ajudaram nestes 13 anos.”

    Comecemos por aqui. Convencionou-se, ideologicamente, que toda política favorável à maioria da população é uma ajuda (ou, em termos mais grossos, uma “esmola”). Isso é uma falácia. Não pode ser eticamente errado fazer aquilo que beneficia à maioria. Muito pelo contrário, eticamente errado deve ser aquilo que privilegia a uma minoria. Existe uma parte do espectro ideológico que considera que até mesmo aquilo que é essencial à sobrevivência deve estar disponível apenas a quem possa pagar, transformando a sociedade em uma espécie de selva onde, em vez da lei do mais forte, vale a “lei do mais rico”. Já tivemos sociedades assim em outras épocas, e os frutos dessa ideologia foram a escravidão negra, o trabalho infantil, massas de pessoas despossuídas morrendo como moscas nos subúrbios.

    Em vez de “ajuda” devemos falar em direitos. Direitos não podem ser objeto de relações de comércio. Não se vendem direitos. Não é errado pagar por serviços, como atendimento médico, que atendem a direitos, mas é errado suprimir políticas públicas que garantam esses serviços a quem não pode pagar por eles.

    Obviamente o mundo ideal seria aquele em que todos tivessem condições de sustentar-se com seus próprios meios. Infelizmente, como o próprio termo diz, o mundo “ideal” não existe: ele é apenas algo a que aspiramos. Um dia, possivelmente, quando todos puderem pagar pelos serviços de sua preferência, os serviços públicos gratuitos terão menos demanda e possivelmente serão até extintos. Mas extinguir estes serviços antes que a população possa custeá-los é condenar milhões de pessoas à míngua. Eu não consigo ter simpatia por pessoas que simpatizam por ideias desse tipo.

    “Isto inclui pobres e mendigos, que no fundo acabam detestando as pessoas que dão as esmolas, as bolsas família, a saúde e a educação grátis.”

    A pessoa que detesta serviços públicos e gratuitos propriamente ditos é um imbecil (não que a imbecilidade seja rara neste país). Podemos detestar a qualidade destes serviços, discordar de seus princípios, exigir melhorias, reclamar, etc. Mas detestar o serviço em si é uma infantilidade, é o famoso “jogar o bebê fora junto com a água do banho”.

    Esta atitude, porém, reflete o modus operandi de nossa sociedade, que cada vez mais se afasta de valores comunitários (entre os quais aqueles do feudalismo, tão louvados no texto) em direção ao individualismo puro e simples. Em vez de buscar uma solução que sirva para si, mas também sirva para todos os outros (“melhorar o sistema público”), o individualista quer resolver o seu problema, e dane-se o problema alheia.

    A irracionalidade desta atitude se revela no seu caráter anticapitalista. Podemos obter economia de escala reduzindo a fragmentação do processo produtivo, consolidando empresas, aproveitando sinergias, etc. Se a economia de escala é tão louvada pelos economistas, por que eles propõem uma solução diametralmente oposta para os serviços públicos? Na minha opinião é porque eles estão a soldo de interesses empresariais: vendem uma ideia que favorecerá a expansão do negócio de quem os paga. Os planos de saúde não têm nenhum motivo para gostar do SUS, as seguradoras devem detestar o INSS e o DPVAT. Os empresários do ensino devem cobiçar os alunos das escolas públicas cujos pais poderiam pagar alguma coisa. Para os outros, nada. Como no tempo do Império.

    “Pobre quer oportunidade, para poder pagar pelo que precisa, por mérito próprio.”

    Pobre precisaria ter mais conhecimento de política (e menos leitura de comentaristas econômicos) para entender que quando paga impostos ele está pagando por serviços e que o governo deveria lhe oferecer em troca o que ele precisa. Governo não dá esmola, ele apenas nos cobra por serviços que nos presta. É certo que a maioria desses serviços são de péssima qualidade, mas quem conhece nossos bancos e nossas telefônicas não deveria tecer loas à capacidade da iniciativa privada em termos de ética e eficiência, ou capacidade de atender-nos no que queremos.

    Na verdade o que esse discurso combate, em nome desse nebuloso “mérito” é a possibilidade de que o dinheiro de alguns seja utilizado para compensar o que outros não pagam. Eu acho justa esta indignação se for dirigida contra os sonegadores de impostos (aqui não vou citar nomes, mas o nosso jornalismo econômico prefere dizer que os impostos são impagáveis para justificar a sonegação, o que é mais ou menos equivalente a dizer que a moça estuprada usava uma roupa muito provocante).

    O que ocorre, porém, é que em nome do individualismo, esse ódio não está dirigido a quem pode pagar e não paga (porque acha que é caro), mas sim a quem não paga porque não pode (como os desempregados, os inválidos e os muito pobres).

    “Pobre quer pagar diretamente o seu médico e seu professor, única forma de garantir um atendimento decente e humanizado.”

    Pagar ao médico não é garantia de nada. Mesmo pagando consulta particular eu já cansei de ser destratado por médicos. Certa vez cheguei a um consultório com cólica renal, identifiquei-me, disse que estava passando mal e precisava ser avaliado com urgência para que o médico me receitasse a medicação correta. A recepcionista avisou ao médico e me pediu para esperar. Quarenta minutos depois o médico ainda não havia me chamado e então eu vi sair de seu consultório um representante de laboratório. Os dois sorriram e apertaram as mãos. Então o médico chamou uma paciente sua conhecida, que estava na minha frente, claro, mas não estava passando mal, e ela entrou. Diante disso eu me levante, saí me arrastando do consultório, aluguei um táxi e fui ao pronto socorro municipal, onde nem havia médico, mas um plantonista acadêmico. Lá me aplicaram Profenid na veia e me deixaram ficar deitado numa maca por duas horas e meia até a dor passar. Não paguei nada por isso, mas teria pago 90 reais (na época) ao médico particular.

    É uma falácia ideológica acreditar que o pagamento por um serviço gera uma obrigação de qualidade. Isto somente acontece se houver uma relação de isonomia entre as partes contratantes. Se uma parte detem mais poder na relação, como o médico em relação ao paciente, cria-se uma situação em que isso não funciona. Já vi médico expulsando paciente de seu consultório dizendo “não preciso do seu dinheiro” só porque o cara reclamou que estava pagando e queria ser melhor atendido.

    “Pobre não quer saúde grátis, educação grátis e aí ter que aceitar um médico qualquer, ou um professor desmotivado já que a cavalo dado não se olha os dentes.”

    Vários dos países mais desenvolvidos do mundo tem sistemas públicos de saúde (Canadá, Reino Unido) ou de educação (Finlândia, Alemanha, Áustria, República Checa, França, Islândia, Irlanda, Itália, Países Baixos, Noruega, Suécia, Reino Unido, Canadá e Japão). Nestes países todos podem optar por custear seus próprios serviços (em alguns casos obtendo restituições de impostos) ou contratar serviços suplementares. Mas mesmo na terra do liberalismo absoluto (Áustria), saúde e educação são garantidos universalmente pelo governo.

    Não entendo por que o pobre brasileiro não quer saúde grátis. Se isto é verdade, este pobre é um desinformado e um idiota (no sentido grego do termo), incapaz sequer de saber o que é bom para si. Mas suspeito que este “pobre” não exista senão na imaginação daqueles que tentam adivinhá-lo. Este pobre é uma idealização, que serve aos objetivos e argumentos de quem escreve. Existe, claro, o pobre desinformado, inculto e submetido a informação tendenciosa e ideológica fornecida por uma imprensa que só noticia o que quer. Este é o pobre que compra a ilusão de que ele pode ficar igual ao rico, e deixar os outros pobres para trás. Vão dizer que é blasfêmia minha empregar o termo neste blogue, mas a verdade é que esse pensamento é a epítome do que Marx chamou de “alienação”, e decorre do amestramento das massas pela mídia e pelos homens públicos. Somente a ideologia pode fazer uma pessoa mentalmente sadia ir contra seus instintos de autopreservação. A ideologia do egoísmo que nos faz sonhar em um sucesso individual, à revelia da realidade de nossos amigos, vizinhos, parentes e conterrâneos.

    “Além do mais, pobre que vive de esmola morre de medo que um dia estes “altruístas no poder” mudem de ideia ou mudem de causa prioritária, e vá deixá-los na miséria novamente.”

    Que o pobre pense isso, por ser também pobre de conhecimentos, é aceitável. Mas que uma pessoa que sinceramente “should know better” difunda esse temor golpista é injustificável. O pobre inculto, obviamente, não entende a política como algo separado do político. O conceito de “res publica” ainda não está arraigado por igual na mentalidade coletiva brasileira. Portanto ainda é comum que um político de oposição, assumindo o poder, procure desmontar as políticas do antecessor.

    Em uma sociedade politicamente madura existem políticas que são públicas e não fácil mudar. Margareth Thatcher não conseguiu acabar com o serviço público de educação, embora tenha tido relativo sucesso em acabar com o copo de leite grátis a que todos os alunos tinham direito, medida que lhe valeu ser chamada de “fucked up old hag” em uma letra do Pink Floyd e a honra de uma ilustração de seu assassinato estar na capa de um dos singles mais famosos do Iron Maiden.

    Esse medo de que um novo governo mude as prioridades é um medo golpista porque, teoricamente, seria possível evitar isso votando em candidatos comprometidos com a continuidade dos programas que importam. Então, esse temor se relaciona com o receio de que “não se permitirá” que tais candidatos continuem ganhando as eleições ou que “se impedirá” que eles implementem suas promessas.

    “É o mesmo stress de todos nós que tememos perder o emprego.”

    Não é, porque os patrões não são escolhidos pelos empregados. Obviamente o autor do texto não entende o que é democracia, pois supõe, num ato falho que revela seus compromissos ideológicos, que o poder político é imposto assimetricamente e de cima para baixo, em vez de emanar do povo. Se pudéssemos votar em nossos patrões esse estresse seria diferente. Mas vivemos o estresse porque sabemos que o patrão está sob nenhum tipo de controle nosso. E o governo?

    “A ironia do destino é que o PT foi, de fato, quem mais ajudou os pobres de todos os partidos do passado.

    Talvez esta seja a razão de todas as manifestações.”

    A razão das manifestações é a irracionalidade das massas. Qualquer sociólogo sabe que os fenômenos de massa são complexos e podem crescer a partir dos estímulos mais insignificantes. A Tunísia derrubou um tirano só porque um vendedor de laranjas recebeu uma bofetada de uma polícia feminina. Quando a sociedade vive sob tensão, praticamente qualquer coisa é um estopim. E vivemos sob tensão pelos motivos mais variados, mas principalmente porque a imprensa insiste em pintar-nos em um cenário de pré-apocalipse desde sempre. Tenho quarenta anos e jamais vi uma manchete de jornal otimista. Desde que nasci o Brasil sempre esteve em crise, o arrocho sempre foi necessário, qualquer medida positiva sempre foi temerária. Além disso a violência está crescendo, o Brasil está passando pelo desafio de se inserir no cenário mundial, muitas coisas. Querer reduzir as causas das manifestações a uma mera insatisfação com o PT não é apenas uma simplificação (ainda que o PT não tenha sido poupado), é uma manipulação.

    “Nossa cultura exige, corretamente, que se diga Obrigado, a cada favor e benesse.

    Quem recebe uma benesse no Brasil faz questão de dizer que aquilo não é um favor, mas uma simples troca.”

    Para a grande maioria das pessoas, as palavras “muito obrigado” não têm nenhuma importância. Não se para a pensar nisso. Só porque as palavras significam algo, isto não quer dizer que as pessoas as empreguem conscientemente. Ninguém, por exemplo, se fixa em que economia e ecologia são cognatos, pouca gente percebe que “mosquito” é diminutivo irregular de “mosca”, quase ninguém percebe que o “favor” do “por favor” seria facultativo (diga não, quando lhe pedirem “por favor” e será tachado de mal-educado) e assim por diante.

    “A troca por uma obrigação futura é muito mais digna para o pobre ou o recebedor do que um simples agradecimento, como se faz nos países anglo-saxões.”

    Naqueles países, tal como cá, as pessoas não se dão conta de que “thank” é cognato de “think”, e que, por tanto, o agradecimento envolve a obrigação de lembrar-se de quem lhe fez o bem! Isso fica mais claro em alemão: “gedanke” (pensamento), “Danke” (agradecimento). Se nós nos dizemos obrigados a retribuir o favor, os germânicos (não apenas os anglo-saxões) dizem que se lembrarão de quem lhes prestou o favor (e certamente não dizem isso sugerindo que se lembrarão de lhes fazer o mal).

    “O povo brasileiro é eticamente muito mais digno, acredita no Altruísmo Recíproco, e não da caridade de mão única. Eu vou pensar em você no futuro.”

    Na verdade, como qualquer dicionário de etimologia de línguas germânicas demonstra, “Eu vou pensar em você no futuro” é EXATAMENTE o que está envolvido em um “thank you”. Ou seja, você criou toda uma filosofia em cima de uma falsa etimologia.

    “Pobre tem dignidade.

    Ele tem algo que o Socialismo Altruísta e o Capitalismo Egoísta destruíram, os valores Vitorianos e do próprio Feudalismo.”

    Aqueles valores vitorianos que permitiam o trabalho infantil a partir dos cinco anos, que submetiam as mulheres aos trabalhos mais insalubres, que mandavam fuzilar operários que exigiam melhores condições de trabalho, que botavam fogo em fábricas com operários dentro, que puniam grevistas de frigoríficos moendo suas mãos para fazer salsicha, que dizimou os índios norte americanos, que causou a fome irlandesa (matando 40% da população do país em quatro anos) e produziu a “partilha da África”.

    “O período Vitoriano e o Feudalismo, apesar de seus males, possuiam valores éticos muito bem definidos, que eram as virtudes humanas.

    Lutava-se pela Honra, por exemplo.”

    Desde que o lutador fosse de classe alta e o desafiado fosse da mesma classe. Pobre não tinha honra. Não tinha o direito de desafiar um nobre para um duelo se ele lhe estuprasse a filha. Tinha de aceitar uma indenização irrisória.

    Esta honra, assim tão condicional, e negada à maioria da população, é só um fingimento ético de uma classe superior que faz esta pantomima para se apresentar aceitavelmente diante do povo.

    “Um Renan vitoriano teria se defendido daquilo que dizem dele na Internet e Lula não teria sumido no meio desta crise.”

    Um Renan vitoriano jamais teria sido acusado desta forma porque os jornais pertenciam aos seus amigos e os outros jornais poderiam sempre ser empastelados e os seus donos condenados à forca como sediciosos.

    Do jeito que você fala até parece que não houve políticos corruptos na Era Vitoriana. Sugiro-lhe uma leitura instrutiva desta tese: http://www.indiana.edu/~workshop/colloquia/materials/papers/kam_paper.pdf

    É o primeiro item que o Google retorna quando você procura por “victorian era corruption”. Sem aspas. Do primeiro parágrafo:

    Free and fair elections are integral to representative democracy, but putting these institutions
    in place is not easy. Apart from the possibility that democratic losers may resort to violence to
    reverse their defeats after the election, they also have incentives to bribe voters and buy elections
    beforehand. Corruption of this latter sort transforms elections into venues of economic rather than
    political exchange, and because it is so firmly rooted in narrow self-interest, it is extremely difficult
    to stamp out. This was certainly true in Britain, where electoral corruption persisted throughout the
    nineteenth century despite repeated efforts at reform. The British experience is hardly unique:
    Developing democracies go through similar growing pains with traditional patron-client
    relationships giving way not to free and fair elections but to corrupt electoral competition.

    O artigo menciona especificamente os “rotten boroughs”, distritos eleitorais obsoletos mantidos por interesse de políticos. Em certa época, toda a cidade de Birmingham tinha apenas um deputado, enquanto pequenas aldeias tinham dois ou três. Os Sarneys vitorianos mantinham uma divisão distrital absurda para poderem controlar cadeiras parlamentares facilmente.

    “Eram sistemas que valorizavam valores como honestidade, economia, coragem, perseverança, poupança, previdência, amor fraternal, algo totalmente esquecido nos regimes que sucederam.”

    Valorizaram da boca para a fora alguns, enquanto absolutizavam outros. Quanto a dizer que isso foi totalmente esquecido em regimes anteriores, é uma afirmativa temerária, pois equivale a dizer que hoje em dia não há mais pessoas honestas (o que implica, obviamente, que o autor do artigo não é honesto).

    “O PT, o PSDB, o PSOL, o PSTU, o PMDB, etc, transformaram a sociedade brasileira em pedintes.”

    É até difícil comentar isso, considerando que o povo esteve reduzido à miséria durante a maior parte da nossa história, efetivamente reduzido à condição de pedinte. Se de fato existe algum aspecto análogo no tipo de transferência de renda que se faz, é verdade, porém, que isto é bem diferente do que havia antes. Não é mais o coronel local que condiciona empregos a votos, como em minha cidade, onde o dono da fábrica fechava os empregados para um comício e dizia que se o candidato dele perdesse ele fechava a fábrica e ia para a França, pois não precisava daquilo.

    O que este governo fez foi tirar das mãos das elites locais o poder de dar aos pedintes. Isso reduziu o poder político de certas castas seculares desse país. Daí o ódio que enfrenta vindo das classes médias e acima.

    Certamente se poderia ter avançado mais no progresso do país, mas Roma não se fez num dia. Dizer que estes partidos transformaram a sociedade brasileira em pedintes é DESONESTO, é faltar com a verdade de forma óbvia, descarada e indesculpável. Não é possível que este colunista ignore as calamidades que uma simples seca causava no Nordeste até meados dos anos 80, e o fato de que nos últimos vinte anos, mesmo quando há seca, não ocorrem migrações massivas, mortes de crianças e desesperadas campanhas por doações, como a norDESTINOS, de 1985.

    Certamente o povo brasileiro padece de falta de memória (e isso em parte explica certos aspectos da revolta), mas o colunista pratica a supressão seletivas de fatos para poder argumentar algo que vai contra a realidade que a História mostra.

    “A Revolta de Junho de 2013, longe de ser um avanço foi um enorme retrocesso.”

    Nisso concordo, mas por motivos diferentes.

    “O Movimento Passe Livre mostrou ser mais um movimento pedinte, agora do transporte grátis, pedindo mais esmola e mais descontentes no final.”

    O MPL foi usado como cavalo de troia por variados setores interessados em fazer barulho. Mas o mais importante é que, ao citar a bandeira do passe livre, o colunista se contradiz. Se o pobre brasileiro “quer pagar” por serviços públicos (como se disse mais lá em cima), por que teria ido à rua protestar por ônibus de graça? Ou o pobre brasileiro de fato não quer pagar, ou quem protestou não foi pobre, ou os protestos foram mais complexos do que simplesmente isso. E qualquer das três alternativas desmonta esse artigo como um todo.

    Este texto, obviamente, será publicado no meu blogue pessoal, pois eu não acredito que seja aceito aqui.

  7. Esse artigo é o famoso “Texto burro!”, um ditado de que todas as nações utilizam para identificar algo que ofende a inteligencia até de um garoto de 10 anos…

Leave a Reply

UA-1184690-14