[pullquote]Um pequeno detalhe pode por fim a um império, uma civilização.[/pullquote]
Minha frase que mais corre pelo Twitter é “Não são os grandes planos que dão certo na vida, são os pequenos detalhes”.
Hoje vou escrever sobre um pequeno detalhe que está afetando a vida de 500 milhões de pessoas, e que causou esta crise toda nos EUA e alastrou para a Europa.
Vou lhe dar uma chance de adivinhar este pequeno detalhe, mas primeiro quero deixar bem claro algo assustador.
Um pequeno detalhe pode por fim a um império, uma civilização.
Deputados e Presidentes de Bancos Centrais se preocupam somente com Macroeconomia, como Ben Bernanke, e podem até ser desculpados em desconhecer pequenos detalhes, que não são estudados na academia.
Por isto, todos nós cidadãos comuns que vivemos no mundo real, temos um dever cívico de identificar estes detalhes e alertar os demais. Este tem sido um dos objetivos deste blog, como vocês já sabem.
Vou convidar você a fazer parte de um seleto grupo de professores, que foram convidados em 1950 para determinar o “grande plano de habitação” do pós guerra nos EUA.
Sua função será determinar como o financiamento de casas populares será estruturado.
Fique tranquilo que vou ajudar, mas basicamente você irá determinar a política de preços do sistema hipotecário Americano.
Este sistema que irá ruir em 2008, por terem esquecido um pequeno detalhe.
O que pedimos a todos vocês é determinar como as Hipotecas deverão ser pagas ao longo dos 30 anos de contrato.
Como você acha que os juros destas hipotecas e a própria hipoteca deverão ser pagos pelo proprietário da casa popular, ao longo de 30 anos?
Não vou pedir para você a fórmula final, mas somente que liste as variáveis que acha necessárias levar em consideração para determinar o preço de uma hipoteca e sua prestação por 30 anos.
Uma variável já forneci, o prazo, neste caso 30 anos.
Você agora tem 5 minutos para rapidamente listar umas outras 5 variáveis. Coloque a sua resposta nos comentários abaixo, antes de virar a página.
Boa sorte! Se esquecer uma variável fundamental, você pode estar colocando o futuro a perder. Um futuro que nada tem a ver com Wall Street e capitalismo, um pequeno detalhe que infelizmente esqueceram.
Se você colocou JUROS, SÁLARIO INICIAL, CRESCIMENTO DO SALÁRIO, VALOR DA CASA, VALOR DA PARTE FINANCIADA, COMISSÃO DO BANCO, você está bem.
Mas, se NÃO colocou a variável INFLAÇÃO, você fracassou.
Se colocou juros, salário inicial, mas não colocou inflação dos próximos 30 anos você fez o que os americanos fizeram há 50 anos.
Eles também esqueceram a Inflação quando criaram o seu Sistema Habitacional, um pequeno detalhe que desencadeou a crise de 2008.
A inflação está embutida nos juros porque a ciência econômica ainda é Nominalista, usa dados nominais e não reais.
Isto significa que as prestações iniciais são ENORMES, justamente no início de sua vida profissional, e vão diminuindo para 1/5 do valor no final de sua carreira, quando normalmente você deverá estar ganhando o dobro.
Um fluxo de caixa idiota, a prestação cai enquanto o seu salário aumenta.
O gráfico mostra o absurdo que é este sistema criado.
No início de sua vida, a prestação neste exemplo representa 65% de sua renda e no final da sua vida representa 15%. Um contrasenso, totalmente fora da realidade do povo que tem que possuir casa para morar.
Antecipando, mas isto não será parte desta discussão, eu e os demais da minha profissão teríamos idealizado um sistema mais ou menos assim.
A prestação seria bem menor no início e não seria corroída pela inflação. Menos risco para os bancos e mais facilidade para todos pagarem a prestação.
Aí, poderíamos ter uma prestação fixa de R$ 3.100 durante os 30 anos.
Melhor ainda, criaríamos um sistema mais trabalhoso onde a prestação seria de R$ 2.100 e aumentaria um pouco ao longo do aumento do seu salário, dobrando no final quando o salário fosse o dobro.
Temos algo parecido no Brasil, mas voltando ao Sistema Americano que não inclui a inflação.
Que estragos ele causa?
1. Muitos americanos que poderiam de fato comprar uma casa, acabam sendo considerados riscos elevados porque a prestação inicial representaria 65% do salário. E portanto, são recusados. Considerados Subprime.
Por isto, os Bancos criaram uma estrutura mais amena, para estes “Subprime”, que pelo gráfico fica claro que são capazes sim de comprar uma casa, dado um fluxo de caixa inteligente e não este implantado em 1950.
Os Bancos não eram um bando de idiotas emprestando para pessoas sem capacidade de tomar empréstimos, visão disseminada por Paul Krugman e o mainstream da economia americana.
O que eles tentaram fazer era criar um fluxo de caixa adequado à realidade. Como:
a. Sinal reduzido, de 10% e não 30%.
b. Prestações nos primeiros anos super reduzidas, e depois de 5 anos a dívida per-se era contraída a preços de mercado, chamados Adjustable Rate Mortgage.
c. Criação de Incentivos fiscais, o Mortgage Interest Deduction, que tinha enorme efeito justamente nos primeiros anos, quando o efeito dos juros era elevado.
Mas será este Mortgage Interest Deduction que criará um povo super endividado, algo que já abordei aqui várias vezes.
d. Agora veja como fica o fluxo de caixa depois de 15 anos. TRANQUILO. E foi aí que surgiu o Second Mortgage e o Equity Carve Out, onde Bancos reemprestavam dinheiro, agora que seu fluxo de caixa ficava super tranquilo e sua casa valorizada pela inflação.
Paul Krugman erra mais uma vez quando afirma que os americanos entraram numa enorme especulação imobiliária.
O que acontecia é que a inflação corrigia o preço do imóvel, o que não é especulação, mas corroía a dívida pemitindo uma série de arbitragens.
Tudo isto porque a precificação das prestações das casas foi feita de forma errônea.
Como nenhum americano até hoje percebe o erro cometido, o mercado simplesmente tentou achar meios de corrigir esta distorção, muitas vezes de forma torta, sem dúvida.
Mas algo que começa torto, termina torto. Culpar Wall Street por um pequeno detalhe cometido em 1950 por acadêmicos bem intencionados mas incompetentes, é um insulto à inteligência.
E que ainda não foi corrigido, sequer percebido pelo mainstream econômico americano. Assustador!
Professor,
Aceitemos que a fórmula lógica/matemática para a concessão de empréstimos imobiliários nos EUA não foi a mais adequada, contradizendo inclusive o ciclo de desenvolvimento econômico da maioria dos indivíduos produtivos e de suas famílias; adicionalmente, para piorar a situação, desconsideraram os efeitos da inflação sobre as parcelas e o montante da dívida ao longo do tempo. Entretanto, gostaria de acrescentar os seguintes questionamentos:
*
Qual o poder de compra de 1(um) dólar de hoje comparado com o mesmo dólar em 1950? Qual é a origem do aumento generalizado dos preços? Não estaríamos tentando atribuir causa à um problema(financiamentos insustentáveis) o qual é manifestamente consequência de uma política monetária manipuladora e dependente de endividamento? As distorções econômicas e as sucessivas bolhas dos mais diversos ativos não serão o efeito de uma inflação monetária sem respaldo?
… entao, a questao toda eh manter o valor do dinheiro atualizado no tempo.
sao vias distintas: o imovel tem a valorizaçao do mercado. a divida elegeria um indexador que o atualizasse no tempo. a prestaçao deveria seguir o mesmo indexador. o salario que deveria ser atualizado por produtividade acaba o sendo pelo tal indexador.
a distancia gerada entre a divida e a prestaçao nao consegue ser suportada pelo salario …
conclusao: essa diferença acaba sendo bancada pelo juros embutidos no calculo da prestaçao, e o capitalista ainda acha que esta ganhando dinheiro.
ve-se que a tabela price nao atende aos requisitos imobiliarios. some-se a isso as deduçoes de juros imobiliarios no imposto de renda PF deles, e o lucro imobiliario la talvez seja tributado na venda.
eh um assunto para grandes debates.
Prof. Kanitz, existe um percentual da população sem condições de comprar a casa por falta de renda ou ser uma renda muito instavel. Estas pessoas, por falta de outra alternativa entram no sistema e aumentam o sub-prime no sistema. Esta faixa precisaria ser assistida somente com terreno que não pode ser adquirido por partes. A casa, cada um faria com recursos proprios.
Sem um terreno as pessoas não conseguem poupar e não participam construtivamente do mercado.
Bom dia,
Apenas uma sugestão.
No penúltimo parágrafo: “Mas algo que começa torto, termina torto. Culpar Wall Street por um pequeno detalhe cometido em 1950 por economistas bem intencionados mas incompetentes, é um insulto à inteligência.”, a palavra “cometido” poderia ser substituída por “esquecido”.
Não publique este comentário, por favor. Isto é apenas uma sugestão.
Um abraço e parabéns pelas ótimas postagens.
Oi Kanitz.
Achei muito interessante o post, mas queria entender mais a relação deste problemas nos EUA com a crise do euro. Qual a relação entre as duas crises?
Abs.
Dá-me a impressão que a forma como os bancos trataram o subprime foi corrompendo o sistema. Quero dizer que, ao ver que eles eram seguros na prática, desconsideraram a estrutura e fizeram o que entenderam adequado sem, no entanto, pedir alterações no sistema. Isso geralmente acaba tendo péssimas consequências: Ignorar a estrutura e solucionar o que se entende por inadequação pontualmente e desconsiderando o todo.
Mesmo acompanhando o assunto, eu não tinha percebido que o subprime poderia não ser tão arriscado assim.
Na prática, o que aconteceu é que perderam o controle, como acontece quando se corrompe o sistema. São soluções do tipo “ignore as regras, nós sabemos mais do que eles” que geram erros enormes. Creio que o escândalo, se é que dá para chamar de escândalo algo tão óbvio, da LIBOR tenha sido causado pelo mesmo raciocínio. Havia lobby de bancos tentando tornar a LIBOR mais segura? Porque todos se sentiram pressionados a manipulá-la sem antes reclamar de seu funcionamento? Qual seria o resultado obtido por quem o fizesse?
As medidas dadas fazem com que tais práticas sejam premiadas. Isso é gravíssimo para o sistema. E nisso, ainda nem se fala. Estamos longe de uma mudança. Mas pipocam aqui e ali, indícios de que teremos que fazê-la.
Seria então uma espécie de “consorcialização” ou seja, pagar o financiamento de acordo com o preço real e atualizado do bem adquirido?
E qual foi o erro do governo que ensejou a bolha imobiliária do Brasil?
Aumeto de crédito? Especulação dos imóveis na planta?
DEsta vez não foi erro do governo. Todas as construtoras fizeram enormes IPOS, levantaram monte de dinheiro e sairam comprando terrenos todos ao mesmo tempo.
A total indexação da economia no Brasil provocou a inflação crescente até a explosão.
A total desindexação da economia americana – se podemos falar assim – parece fazer bolhas crescerem e implodirem.
Está certo o raciocínio? Se sim, qual o bom senso, o ponto de equilíbrio, se é que ele existe?
Kanitz, voce mostra um bom ponto de vista. Colocarei mais informacao na forma de itens para ajudar nas analises:
1- Sao 3 tipos de mortgages (financiamento); mensalidades fixas (nao variam), mensalidades variaveis (libor + fee) e por ultimo somente o pagamento de juros nos primeiros anos (5 ou 7 anos) depois toda a divida seria recalculada e voltaria ao tipo fixa ou variavel.
Os contratos sao de 5, 10, 15, 20, 25 ou 30 anos.
2- O capital proprio (down payment)inicia nos 3% nos casos autorizados pelo governo (FHA), indo ate o valor aprovado conforme a classificacao do credito do tomador (credict score).
3- Fanny May e Fredy Mac sao empresas do governo que garantem ao investidor que, caso o tomador nao pague as mensalidades, elas pagarao. Elas garantem ao investidor nenhuma perda.
4- Existe no EUA 125 milhoes de casas. 40% delas eram financiadas por mortgages. 3,5% tiveram problemas de contrato apos 2007.
5- 125 milhoes de casas ao preco medio de U$178 mil (Jun/2012) representa um patrimonio de U$22 trilhoes.
6- Cada casa paga aproximadamente 2% do seu valor de mercado em impostos ao municipio. Aproximadamente 70% deste imposto segue para a educacao fundamental ate a pre-universidade.
7- Se o proprietario da casa deixa de pagar o imposto, a prefeitura pode leiloar a casa apos 24 meses do atraso. O lance minimo eh o valor do imposto devido mais fees legais. A sociedade entende que a casa eh um direito daqueles que pagam os impostos. Os estudantes agradecem sempre.
8- Quando um municipio tem uma boa classificacao educacional todos querem morar nele. O preco das casas sao sempre mais valorizadas nestes municipios. Razao pela qual o patrulhamento sobre criancas que nao estao na escola eh feito por toda a populacao, que quer ver seu patrimonio valorizado. Fantastico essa formula: A valorizacao do patrimonio eh diretamente proporcional a educacao das criancas.
9- Wall Street eh o templo que guarda a poupanca de 76% dos Americanos. 24% nao entende de poupanca muito menos de capitalismo.
10- A partir de 2007 o FED (Banco Central Americano) assumiu o compromisso de pagar a todos os investidores. Tem feito isso religiosamente. Para a America o contrato eh sagrado. 24% querem dar o calote.
11- Para entender a America um bom comeco eh entender o que eh ‘Liability”.
Espero que a Alemanha entenda o que aconteceu com o Japao e o EUA, Ela tem enorme responsabilidade sobre as nacoes satelites.
Espero que o Brasil entenda o que eh contrato, educacao, comprometimento e ‘liability’.
Ótima observação, porém acredito que o Kanitz esquece do detalhe mais importante nesta análise que é explicar o que é inflação e por que ela surge.