[pullquote]É a violência assimétrica que gera mais violência.[/pullquote]
Um dia, o campeão mundial de pugilismo Éder Jofre me procurou pedindo ajuda para abrir uma ONG.
Ele queria ensinar pugilismo para meninos de favela.
Ele havia percorrido empresas à busca de patrocinadores, mas a maioria simplesmente não queria nem conversar, muito menos patrocinar um projeto que, segundo eles, estimulasse a violência.
“Você está louco, Éder? Nós somos da paz”.
“Você não sabe que violência gera violência?”
Éder Jofre me perguntou se eu sabia qual era o profissional que menos batia nos filhos.
“Pugilistas”, respondeu ele.
Quem bate nos outros sistematicamente sabe que vai levar um soco de volta na certa.
Pugilistas e seus filhos aprendem bem cedo a serem responsáveis pelos seus atos.
Todos nós aprendemos nas escolas que violência gera violência e que a solução para contê-la é justamente a oposta: é “ser da paz”, e “virar a outra face”.
Hoje sabemos, graças às análises advindas da teoria dos jogos e da genética comportamental, que essa visão é equivocada. Essas análises matemáticas mostram justamente o contrário.
É a violência assimétrica que gera mais violência.
É a violência sem revide, sem contrapartida, ignorada, que leva a mais violência. Quando a violência natural de um filho é ignorada, ela vai aumentando sem limites.
No fundo, boa parte da violência é uma forma de comunicação, uma comunicação violenta. Bater e grafitar a parede do vizinho são formas de comunicação que extrapolam os limites da ética.
Não estou aqui propondo revidar à altura, muito menos revidar com uma bomba nuclear.
O que se defende é que pequenas violências precisam ser revidadas com pequenos limites e rápidas ações corretivas enquanto a violência ainda é mínima.
Requer ação contínua, e não o “eu vou contar tudo para o seu pai quando ele vier sábado que vem, no dia de visitação”.
Por isso pai que é pai tem de estar presente. Esta é, infelizmente, uma das tarefas que culturamente ficou a cargo dos pais.
Este conceito de combate à violência era adotado há 10.000 anos.
Era o “olho por olho”, que hoje é mal visto.
Era um princípio de educação social que exigia atenção contínua a cada ato de violência.
O que não significa que o revide fosse na mesma intensidade.
O problema do “olho por olho” é que se não for ensinado corretamente, pode extrapolar e piorar a situação. Como muitas vezes ocorria.
Entre as famílias, um olho por olho mal conduzido às vezes não terminava, e durava um século.
Ou então, a briga começava por uma besteira e escalava para um conflito perigoso.
É aqui que surge a grande inovação no conselho cristão de “virar a outra face”.
Se um dos lados envolvidos numa sequência de “olho por olho” não virar a outra face de vez em quando, os conflitos inter famílias e inter tribos poderiam nunca cessar.
Perdoar de vez em quando é bem diferente do que perdoar sempre e aceitar violências contra si indiscriminadamente, sem reagir.
Portanto, a função do pai de família é ser severo, impor limites, até com algumas punições, mas sempre pontuais – e, acima de tudo, perdoar de vez em quando.
É balancear, de vez em quando o “olho por olho” e o “virar a outra face”.
Quando os pais não estão presentes ou não são atuantes neste balanceamento delicado no seio de suas famílias, criam-se filhos que acabam se acostumando com a violência assimétrica, em que não há contrapartida, em que a violência corre solta.
Daniel Patrick Moynihan, no seu livro “Family and Nation”, já argumentava que não era a pobreza que desestruturava a família, era a desestruturação da família que gerava a pobreza.
Otimo!!!
Excelente artigo!!! Finalmente uma análise sem nenhuma hipocrisia, como as que vemos nos dias de hoje.
Ótimo artigo!!! Deveria ser publicado e explica a origem de muitas das coisas erradas que vemos em nosso dia-a-dia. Parabens!!!!
Caro Kanitz,
interessante notar como o conceito do “olho por olho, dente por dente” que remonta a milhares de anos, da Babilônia, foi desvirtuado de seu propósito e assumido por todos como uma resposta à violência – como vc também o utiliza.
No entanto, a lei de talião, que foi instituída para demarcar, pelos juízes, as punições. Estas não deveriam ser em excesso, nem ser demasiado brandas (para atender a outros interesses e ao poder), mas sim, serem proporcionais ao dano infligido.
Também é claro, pelo menos em algumas culturas, a não literariedade da lei: assim, se uma pessoa matava outra, ela não devia ser morta como punição e sim prover sustento à família da vítima por um tempo determinado, reparando em parte seu crime.
O conceito de violência assimétrica exposto é correto e pode ainda ser complementado com o da violência escalada, onde a assimetria gera maior violência progressivamente.
Parabéns pelo artigo.
Eu não entendia,até agora,o”DAR A OUTRA FACE” de CRISTO.Entendia como ser humilde o bastante para apanhar mesmo por uma segunda vez.Dar a outra face é mostrar o outro lado que é promover um novo rumo.Se possivel, o do entendimento,e,com PAZ.É realmente,face CRISTÃ.
O exemplo dado da família negra americana que é ausente é refletido nitidamente no Brasil. Com a idferança que não é a família essencialmente negra, mas a pobre e/ou negra. Na maioria das vezes os pais precisam sair para buscar a sobrevivência da família e não tem com quem deixar seus filhos. Como estes ficam “ao Deus dará”, tendem a seguir trilhas de características violentas.
Prezado,
Como sempre, admiro sua capacidade para enxergar a raiz do problema e a competência para o explicar, sem se perder na tentativa de procurar soluçoes para os sintomas.
Só senti falta da correlação entre o tema e a “tolerância zero”, do prefeito Giulianni, e a impunidade, com as leis que “não pegam”, aqui na terrinha.
Seu fã de carteirinha,
JC
Ótimo! como sempre.
Equilíbrio, também poderia ser o tema deste artigo. E não acho a frase do Daniel Patrick Moynihan politicamente incorreta, pois se pesquisarmos nas ruas, nas febens ou nas cadeias, certamente encontraremos a desestruturação familiar como principal característica destes indivíduos “rebeldes”, nem sempre pobres.
Parabéns.
Ótimo. Perfeita correlação entre a ausência dos pais e a progressividade na violência. Só senti falta da correlação desta mesma progressividade com outro tipo de ausência: a do Estado. Juntando este seu artigo com o do espanhol Arturo Pérez-Reverte que, se me permite, transcrevo abaixo, temos verdadeira obra-prima composta à quatro mãos e duas mentes. Excelente.
Só uma coisa não se elucida: como podem irmãos criados sob a mesma educação, ou a mesma falta desta, serem tão diferentes, ou seja, um se perde na criminalidade e outro vai em caminho oposto. Seria índole?
Em legítima vingança (por Arturo Pérez-Reverte)
Hoje quero falar-lhes de justiça e vingança. Ponto de vista subjetivo, claro; submetido a erro e parcialidades várias. Resultado de cinqüenta e sete anos de vida, algumas viagens e livros, e não fabricado na bondade idiota -e suicida- dos que se acham vivendo no bosquinho de Bambi. A coisa se resume em uma pergunta: Que tem de ruim a vingança?… Já sei que na sociedade ocidental essa palavra causa má impressão. É preciso perdoar aos que ofendem, iluminar seu caminho, inseri-los em breve e demais. Mas esquecemos algo: o sentimento de vingança, de reparação pessoal, está em nosso instinto. Vem, suponho, do tempo em que saíamos da cova para buscar-lhe uma costela de mamute à família. Em minha opinião, a vingança -nas suas formas antigas ou modernas- não é má. Resulta higiênica para a saúde mental, e frustra muito ver-se privado dela. O que ocorre é que, para que a sociedade não seja um contínuo e incômodo esfaqueamento, os homens resolvem confiar ao Estado o monopólio de nossos ajustes de contas.
Ofendidos, querendo vingança e reparação de aqueles que nos ofenderam, cedem esse impulso natural à instituição que nos rege e representa; e a esta corresponde restituir pelo dano recebido, afastar ou anular o perigo social que o ofensor possa supor, e satisfazer, castigando adequadamente a este, nosso lógico, instintivo, atávico desejo de vingança. Não é casual que sejam precisamente os grupos marginais, que não acreditam na sociedade ou compartilham seus códigos, os que procuram sempre tomar-se a vingança pela sua mão. Ou que, nos filmes, gostemos e nos tranqüilize que no fim morra o mau.
E é que o problema, a meu julgamento, surge quando o Estado se revela incapaz de corresponder ao compromisso. De cumprir com sua obrigação. Aparece então a frustração dos que se acham sem reparação, indefesos ante o mal causado. Que vem ao assassino passear impune pela rua, ao vigarista desfrutar do seu dinheiro, ao estuprador sair o fim de semana para repetir exatamente o que o pôs atrás das grades. Que vem seus desejos bloqueados no emaranhado de incompetência, burocracia, desídia, demagogia e má fé que caracteriza a toda sociedade humana. E, além disso, como última gota de água, devem engolir o discurso mascado por que afundam cada vez mais, por ignorância, estupidez ou cálculo interessado, o abismo entre a teoria e a realidade. Entre vida real e vida ideal. O dos cidadãos razoáveis e civilizados que dizem odiar o delito, mas compadecer e ajudar ao delinqüente: discurso que fica maneiro na tevê, no editorial de jornal ou no café com os amigos, mas que se esvaece quando sai teu número. Quando roubam a tua casa, assaltam em tua rua ou estupram a tua filha.
Só uma sociedade firme e segura de si, dura com os transgressores -e implacável com os vigilantes dos transgressores quando traspassam a linha- faz desnecessária a vingança pessoal. Uma sociedade capaz de proteger-se com justiça e serenidade, mas sem complexos. Sem tolices de telejornal. Quando não é assim, as leis feitas para proteger à gente honrada se voltam contra ela mesma. A atam de mãos, convertendo-se em escudo de sem vergonhas, depredadores e bestas sem consciência. Frustram a esperança dos ofendidos e lhes fazem lamentar, às vezes, ver-se privados da possibilidade de satisfazer eles mesmos a ânsia legítima de vingança que o Estado torpe, ineficaz, não resolve no seu nome. Postos a isso, um acaba preferindo -e aí esta o verdadeiro perigo- um calibre doze, escopeta de caça, deixa-me só e pum, pum. O resto, em última instância, é retórica e são estórias pra boi dormir.
Os temas abordados Kanitz, dado a sua diversidade, enriquecem-nos muito e em especial no caso da violência juvenil a base está na família e em especial aquelas desestruturadas,onde um dos pais que transfe sempre´para o outro, as culpas pela ausencia da sua presença. Omitem-se quanto aos limites a serem dados, permanecendo em seus egoismos, esquecendo dos cidadãos que são de sua responsabilidade formarem.
Bom artigo!
PREZADO KANITZ, CORRETÍSSIMO ESTA VISÃO. POR ISSO SOU CONTRA AO DESARMAMENTO DA POPULAÇÃO. APLICANDO ESSE MESMO CONCEITO DEVEMOS EXPOR O “BANDIDO” AOS MESMOS RISCOS QUE CORREMOS DA PARTE DELE. HOJE QUANDO UM CIDADÃO DE BEM REVIDA UMA AGRESSÃO E MATA UM “BANDIDO” É ENQUADRADO POR PORTE ILEGAL DE ARMA, COMO RECENTEMENTE OCORREU COM UM FRENTISTA NO SUL. “OLHO POR OLHO” E BOM SENSO MELHORARIAM ESTE PAIS. ABRAÇOS, DIVALDO.
Adorei o seu artigo. Sou solteira, tenho um filho, cujo pai visita toda semana, mas a responsabilidade de educar e punir, se preciso, nos dias que está comigo é de minha parte. Deixo para o pai cumprir a parte dele nos dias que está com o bebê. Brinco com meu filho de morde a barriguinha e ensino que é brincadeira, não pode morder forte paranão machucar. Ele nunca foi agressivo com outras crianças e se dá bem com todos os amiguinhos da escolinha. Acredito que a mulher que cria o filho sozinha não deva passar a responsabilidade de educar os filhos apenas para o pai. Afinal, dessa forma a criança terá respeito élo pai e não pela mãe. A mãe também tem que se impor sim.
Achei muito interessante a sua visão sobre o “olho no olho” e concordo plenamente sobre isso, às vezes, ficar calado é a melhor opção, porém na maioria das vezes NÃO.
Danielle Paula
Meu caro, como sempre é um enorme prazer “lê-lo”. Este artigo reflete exatamente o maior problema da sociedade moderna e o que mais impressiona, vc conseguiu detalhá-lo muito bem! Utopia querer que todos os pais do mundo o lessem, mas deveriam. Parabéns, estou indicando para todos meus contatos e arquivei-o em minha pasta de arquivos importantes. Muinto Obrigado, abraço!
ótimo texto, porém, gostaria de discutir algumas questões.
Sem retoques no que pertine a educação dos filhos, concordo plenamente. Se esse núcleo fosse melhor fortalecido, com diálogo, correção moderada, exemplo moral dos pais, o direito penal sofreria uma redução sensível e tornaria mais simples o controle da criminalidade. Entretanto, quando se fala em punição é necessário verificar que “bens” da sociedade estamos protegendo: a LEI, a norma jurídica ou um sistema de valores preponderantes, valores mais “valiosos”? Se for a Lei, teremos que suprimir até mesmo nossos próprios direitos, e a isso se dá o nome de “Funcionalismo Sistêmico” de Günther Jacobs; ou a proteção daquilo mais interessa, deixando de punir ofensas ínfimas “Funcionalismo Teleolégio”, Claus Roxin. Adotando o primeiro sistema o nosso complexo prisional que é terrível, tornar-se-á a maior catástrofe social; já com o segundo sistema, não resolveria o problema, mas é uma solução mais humana, mais razoável. Mas, o povo adora programas policiais…fazer o que. O povo quer ver sangue. Dizer que os Estados Unidos são um exemplo de controle da criminalidade é um equívoco. Dizer que nos somos exemplo, outro equívoco. Um problema que não tem solução é um não-problema. A preocupação da criminologia não é acabar com o crime, é reduzir até limites suportáveis, a Lei de Talião é brutal, estúpida e desnecessária.
Eu acho que o termo ‘olho por olho’ não é
a melhor opção e nem condiz muito com a
essência do artigo. É fundamental que haja
penalidades por ‘violências’, um filho bater
no irmão por exemplo é motivo para tirar a
mesada ou proibir a internet, mas não para o
pai bater de volta (Até por que isso já gera
uma assimetria) que é o sentido que o texto
passa no geral, mas (a meu ver) diverge do
‘olho por olho’.
Gostei do enfoque preciso.
Agora, Gilbert and Sullivan não são ingleses. São brasileiros que se chamam Gilberto e Silva que são compositores daquela época do Morris West (Maurício Oliveira), e que só compunham em inglês, lembra?
Violência assimétrica…interessante…Um pai bater no filho, jogar uma jamanta sobre um fusca, um faixa preta kung fu bater num indivíduo sem técnica com meio metro menos de altura…difícil aplicar aí o olho por olho. Israel contra os palestinos, olho por olho como? Já sei!!! homem bomba!!!
Kanitz acho que olho por olho nem na família com os filhos, não saberíamos o que estaríamos criando.
Forte abraço
Li há alguns anos a pesquisa do Moynihan (ele foi senador por MY durante anos e foi substituído pela Hilary Clinton) e foi criticado na década de 60 pelas suas conclusões. Hoje, seu trabalho é seminal. Creio que no Brasil a ausência da estruturação de família negras pobres se acelerou ao longo dos anos e contaminou as outras classes sociais e etnicas.E estamos nesse caos violento que assistimos.
No final o que sobra é bom senso, é saber que nem todas as ações dos pais têm consequências terríveis e perpetuadas. Dar o exemplo é o que importa. A palavra convence, o exemplo arrasta. Para isso não precisa de muita filosofia, precisa de abnegação, persistência e despreendimento, é feijão com arroz.
Kanitz,
Esse é um dos melhores e mais lúcidos artigos que li recentemente sobre o problema da violência e sobre uma monstruosa distorção que está sendo perpetrada na sociedade mundial a de que a ocultação da violência desestimularia a violência, quando é exatamente ao contrário!
É justamente porque essas gerações não estão aprendendo a lidar com a violência que as pessoas estarão menos aptas a controlar e administrar as situações em que ela aparecer e é ai que estaremos produzindo às toneladas: gente que incendeia mendigos por prazer, maníacos, assassinos em série e todas as pragas semelhantes.
Sobre o Eder Jofre, vi entrevista onde contava uma história de um acidente, não lembro quem bateu em quem, mas o fato é que o motorista de um carro desceu ameaçando esmurrar, chamando pra descer do carro e “sair no tapa”, enfim aquelas coisas de motorista violento.
Do outro carro desce um cara franzino pedindo calma, avisando que o carro tem seguro, que tudo vai se resolver e tal, pede um momento, puxa um cartão de visitas e entrega ao esbravejante agressor, este pega o cartão furiosamente, lê… e para! Lívido e sem palavras. Era Eder Jofre, calmamente tentando contornar a violência do outro motorista.
Essa historinha ilustra exatamente o que o Eder tentou mostrar as pessoas, é a consciência das consequências da violência que ensinam a usar a paz como ferramenta.
Quanto ao olho por olho, obrigado por ajudar a desmistificar e desfazer a distorção histórica sobre essa lei, trata-se na verdade de dar a certeza que todo ato de violência terá punição e que essa punição que NÃO SERÁ violenta, terá para o agressor, repercussão igual à que o ato violento provocou em outrem.
Abraços
Bráulio Mecchi