Qual é o Problema?

Um dos maiores choques de minha vida foi na noite anterior ao meu primeiro dia de pós-graduação em administração.

Havia sido um dos quatro brasileiros escolhidos naquele ano, e todos nós acreditávamos, ingenuamente, que o difícil fora ter entrado em Harvard, e que o mestrado em si seria sopa.

Ledo engano.

Tínhamos de resolver naquela noite três estudos de caso de oitenta páginas cada um.

O estudo de caso era uma novidade para mim.

Lá não há aulas de inauguração, na qual o professor diz quem ele é e o que ensinará durante o ano, matando assim o primeiro dia de aula.

Essas informações podem ser dadas antes.

Aliás, a carta em que me avisaram que fora aceito como aluno veio acompanhada de dois livros para ser lidos antes do início das aulas.

O primeiro caso a ser resolvido naquela noite era de marketing, em que a empresa gastava boas somas em propaganda, mas as vendas caíam ano após ano.

Havia comentários detalhados de cada diretor da companhia, um culpando o outro, e o caso terminava com uma análise do presidente sobre a situação.

O caso terminava ali, e ponto final.

Foi quando percebi que estava faltando algo.

Algo que nunca tinha me ocorrido nos dezoito anos de estudos no Brasil.

Não havia nenhuma pergunta do professor a responder.

O que nós teríamos de fazer com aquele amontoado de palavras?

Eu, como meus outros colegas brasileiros, esperava perguntas do tipo “Deve o presidente mudar de agência de propaganda ou demitir seu diretor de marketing?”

Afinal, estávamos todos acostumados com testes de vestibular e perguntas do tipo “Quem descobriu o Brasil?”.

Harvard queria justamente o contrário.

Queria que nós descobríssemos as perguntas que precisam ser respondidas ao longo da vida.

Uma reviravolta e tanto. Eu estava acostumado a professores que insistiam em que decorássemos as perguntas que provavelmente iriam cair no vestibular.

Adorei esse novo método de ensino, e quando voltei para dar aulas na Universidade de São Paulo, trinta anos atrás, acabei implantando o método de estudo de casos em minhas aulas.

Para minha surpresa, a reação da classe foi a pior possível.

“Professor, qual é a pergunta?”, perguntavam-me.

E, quando eu respondia que essa era justamente a primeira pergunta a que teriam de responder, a revolta era geral:

“Como vamos resolver uma questão que não foi sequer formulada?”.

Temos um ensino no Brasil voltado para perguntas prontas e definidas, por uma razão muito simples: é mais fácil para o aluno e também para o professor.

O professor é visto como um sábio, um intelectual, alguém que tem solução para tudo. E com o tempo os alunos acreditam.

E os alunos, por comodismo, querem ter as perguntas feitas, como no vestibular.

Nossos alunos estão sendo levados a uma falsa consciência, o mito de que todas as questões do mundo já foram formuladas e solucionadas.

O objetivo das aulas passa a ser apresentá-las, e a obrigação dos alunos é repeti-las na prova final.

Em seu primeiro dia de trabalho você vai descobrir que seu patrão não lhe perguntará quem descobriu o Brasil e não lhe pagará um salário por isso no fim do mês.

Nem vai lhe pedir para resolver “4/2 = ?”. Em toda a minha vida profissional nunca encontrei um quadrado perfeito, muito menos uma divisão perfeita, os números da vida sempre terminam com longas casas decimais.

Seu patrão vai querer saber de você quais são os problemas que precisam ser resolvidos em sua área. Bons administradores são aqueles que fazem as melhores perguntas, e não os que repetem suas melhores aulas.

Uma famosa professora de filosofia me disse recentemente que não existem mais perguntas a ser feitas, depois de Aristóteles e Platão.

Talvez por isso não encontramos solução para os inúmeros problemas brasileiros de hoje.

O maior erro que se pode cometer na vida é procurar soluções certas para os problemas errados.

Em minha experiência e na da maioria das pessoas que trabalham no dia-a-dia, uma vez definido qual é o verdadeiro problema, o que não é fácil, a solução não demora muito a ser encontrada.

Se você pretende ser útil na vida, aprenda a fazer boas perguntas mais do que sair arrogantemente ditando respostas. Se você ainda é um estudante, lembre-se de que não são as respostas que são importantes na vida, são as perguntas.

Editora Abril, Revista Veja, edição 1898, ano 38, nº 13, 30 de março de 2005, página 18

14 Comments on Qual é o Problema?

  1. Então agora acho que preciso parabenizar meus mestres de UFPR, pois nunca nos deram nada pronto, era dado o caminho e vire-se! Método que coloquei em todas as áreas da vida, sempre em busca de perguntas, não só das respostas!

  2. Mudei minha vida depois de uma palestra sua, adoro suas reflexões. Novamente, excelente raciocínio, mas construtivamente, tudo o que você escreve tem que começar com “aprendi na minha primeira aula em Harvard”? Suas conquistas se resumem à Harvard?

  3. Parabéns pelo texto. Acredito que essa metodologia de ensino, transforma os alunos em seres incoformados.
    Alguns professores na minha graduação criticavam o método atual de ensino, mas não tentavam coisas diferentes.

  4. Muito importante e relevante a questão e a ponderação, aprendi que na administração a grande maioria das respostas está no senso crítico e na observação, porém é muito importante sair so senso comum. O artigo mostra isso. Me fez lembrar e associar o caso do karpov e do deep blue, explicando.. Se hipoteticamente embaralhar-mos as peças do jogo antes do seu início, karpov reclamaria, mais joga, já o computador, acostumado com tudo padronizado e modelado, não.

  5. Excelente texto professor!!! Sou Administrador e comecei a lecionar a matéria de Gestão da Produção em uma Faculdade de Tecnologia neste semestre e este seu texto me fez refletir muito sobre minhas aulas, que, diante dessa reflexão, serão reformuladas a partir de agora.

  6. Excelente texto, me fez pensar no nosso atual sistema de ensino que, com poucas excessões, apresenta tudo de modo “enlatado” e pronto para consumo, desprezando na maioria das vezes o raciocínio próprio.

  7. …simplesmente fantástico de tão simples, o construir a ideia como o todo… Onde errei. com na formulação sobre lógica. 2, 10, 12, 16, 17, 18, 19 ….. (o próximo numero)Devemos buscar a coerência diariamente… nos nossos moldes de aprendizado que viria após o 19… já no QUAL O PROBLEMA… teríamos como no apresentado de ampliar e descobrir o comum no apresentado. (letra “D”) dois, dez, doze, dezesseis, dezessete, dezoito, dezenove…. (“”duzentos”””….) estamos meio fora de foco ou do foco…

  8. Boa tarde, gostaria que me respondesse porque a professora de filosofia disse que não existem mais perguntas a serem feitas, depois de Aristóteles e Platão.. ? e porque por isso não encontramos solução para os inúmeros problemas brasileiros de hoje ?
    Obrigada !

  9. Mestre Kanitz
    Já passou da hora de revermos a vida não é uma constante,”os números da vida sempre terminam com longas casas decimais” …. eu fiz minha graduação por método EAD, devido a jornada de trabalho incompativel com um ensino presencial, e esse era o maior desafio, aprender sozinho, buscar o conhecimento, pesquisar, isso é algo que muito me agradou apesar da forma que é denegrido o ensino a distancia, sempre soube que se eu quisesse apenas passar era facil, mais a pesquisa é algo instigante, o buscar do conhecimento, gera a cada artigo lido, cada livro, cada autor uma nova pergunta.
    Estava conversando nessa noite com minha namorada, que hoje o ensino superior em pequenas universidades e cidades do interior é infelizmente muito mal ministrado, o mesmo método, o mesmo livro é usado pelo professor concursado a mais de 10 anos na universidade de minha cidade, o curso de economia não tem uma matéria especifica sobre mercado de capitais, o curso de contabeis, atropela a materia controladoria porque não considerada de suma importancia.
    Espero um dia poder ver nosso ensino superior … se tornar realemente superior.

  10. como você resolveu o caso da empresa que te apresentaram? o texto ficou pela metade sem esta informação e de qual foi a avaliação do seu professor em Harvard

  11. Todo investimento em marketing deve estar focado no aumento de seus clientes e sendo uma ferramenta essencial para alavancar as vendas o que torna a engrenagem primordial. Caso não esteja tendo efeito olhe para seus concorrentes, analise ameaças que estão fazendo despencar as suas vendas e claro se a equipe esta dentro dos objetivos e metas traçados. Caso não veja nenhum problema trace estratégias para seu produto e ganhos futuros. Mas foque no seu produto e veja se há possibilidades de mudanças e troca de foco de produto ou um Marketing agressivo focado aos seus clientes.

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