Reforma Previdenciária

Antigamente, a solução para se aposentar com dignidade era ter muitos filhos, o que trouxe explosão demográfica, pobreza e miséria.

Por isso, a maioria dos países criou um sistema de aposentadoria e proteção social chamado Sistema por Repartição Social.

Nele, todos os jovens contribuem igualitariamente para que todos os velhos possam se aposentar com dignidade.

É um sistema coletivo, que segue o princípio social de “cada um de acordo com sua capacidade contributiva, para cada um de acordo com sua necessidade social”.

Quem ganha mais contribui mais, mas não recebe mais na aposentadoria, como seria num sistema capitalista.

Muitos brasileiros acham que estão contribuindo para sua própria aposentadoria e por isso teriam um direito adquirido de se aposentar, mas esse não é o espírito do sistema.

As contribuições são para pagar os atuais aposentados, e não para criar um fundo para a própria aposentadoria, tanto é que o governo nunca o criou.

Nesse sistema, o que entra sai, não há acumulação capitalista.

Os que contribuem hoje simplesmente torcem para que a nova geração seja tão generosa quanto nós fomos e que contribua para que possamos nos aposentar.

Esse sistema foi instituído quando havia 33 jovens contribuindo para cada aposentado, mas hoje são três jovens para cada aposentado, razão do déficit e da preocupação do ministro da Previdência.

Alguns intelectuais marxistas estão agora argumentando que só se tem direitos adquiridos sobre bens, não sobre seres humanos.

Argumentam que ninguém pode ser obrigado a pagar a aposentadoria de outro.

Segundo Friedrich Hegel, o grande mentor de Marx, só se tem direitos adquiridos sobre a casa que se construiu, o dinheiro que se poupou, mas ninguém tem direitos adquiridos sobre a renda de futuras gerações.

Rui Barbosa, que era liberal, defendeu a mesma tese com relação aos negros quando a classe escrava queria indenização:

“Não há direito adquirido sobre seres humanos”.

Citam também a lei romana Poetelia Papiria, de mais de 2.400 anos, que proíbe escravizar pessoas por dívidas.

Por outro lado, muitos funcionários públicos, juízes e professores universitários, como eu, aceitaram os salários mais baixos do serviço público pela perspectiva de uma aposentadoria integral.

Fizemos um contrato social com a futura nova geração, ela não pode agora nos deixar morrer de fome.

O outro sistema muito usado no mundo, seja no setor público, seja no privado, é o Sistema por Provisão Solidária.

Cada geração poupa coletivamente ao longo dos anos para prover os gastos inevitáveis na velhice, sem ter de depender das contribuições futuras dos jovens. É um sistema cooperativo em que cada geração gera e guarda os recursos necessários para sua velhice. É eminentemente solidário porque, se, por azar, você morrer um ano antes de se aposentar, seu capital não volta para sua família, como voltaria num sistema capitalista e individualista. Seu dinheiro é mantido solidariamente para custear os companheiros mais longevos, segundo um cálculo atuarial.

Os recursos são administrados por uma cooperativa de poupança, também chamada de fundo de pensão, em que todos são donos, ou então pelo Estado segundo os critérios estipulados pelo artigo 201 da Constituição, que ninguém lê.

O dinheiro fica investido normalmente por trinta anos, em grandes projetos sociais de infra-estrutura de longa duração. Esses investimentos geram empregos para a nova geração, sem precisar de capital estrangeiro, dívidas externas, FMI, crises cambiais, fontes de vários de nossos problemas.

Na Provisão Solidária, os direitos adquiridos são sempre assegurados, o direito de reaver os investimentos na forma de um pagamento mensal, embora o valor exato dependa da gestão da cooperativa ou do gestor público.

Um problema na discussão atual é que muitos brasileiros influentes querem mudar o sistema, mas nem sabem qual é o sistema que adotamos.

Repartição Social e Provisão Solidária são duas filosofias de prática social e políticas públicas distintas, dois conceitos de solidariedade e sociedade bem diferentes, que geram resultados sociais e econômicos bem diversos.

Ambos têm leais defensores, e um grande problema. A nova geração não consegue contribuir para os dois sistemas ao mesmo tempo, como querem alguns.

 

Artigo Publicado na Revista Veja, edição 1790, ano 36, nº 7, 19 de fevereiro de 2003.

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