Neste Estudo de Caso de Economia Administrativa, colocamos a questão se um governo poderia deixar dívidas para um próximo governo eleito, e se a resposta for sim, qual seria o limite?
1. Pode um governo com mandato de 4 anos, contrair dívidas de 1 trilhão, para serem pagas pelo próximo governo?
A resposta para um Administrador Econômico seria não.
Por uma questão mais ética, do que econômica.
A essência de democracia é que cada governo tem um mandato de 4 anos, para administrar o governo por 4 anos.
Podem estes eleitos comprometerem governos futuros, com despesas de juros e amortizações, por exemplo?
No nosso entender, isto é anti-democrático, isto reduziria a liberdade de ação de governos futuros.
Esta tese é mais fácil de provar “reduzindo ao absurdo”. No limite, um governo poderia comprometer 100% das receitas do futuro governo com despesas de juros e amortizações. Portanto, a resposta é não.
Pode um governo comprometer “parte” das receitas de um futuro governo?
A rigor também não, mas isto seria utópico, porque governos passados, de 1964 para cá, já comprometeram quase 50% ou mais das receitas dos governos atuais via juros, aposentadorias, seguro saúde públicos e empregos vitalícios para professores “estáveis”.
Por isto, Administradores Econômicos discutem uma métrica ou limite deste valor, que veremos em lições futuras.
A lei de Responsabilidade Fiscal usou uma métrica de 60% de gastos com funcionalismo, como limite.
2. A Lei de Responsabilidade Art 4, legisla que os orçamentos deverão manter “o equilíbrio entre receitas e despesas”. Uma dívida é uma receita?
Uma dívida não é uma receita, e este é um dos grandes erros da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Apesar da Lei de Responsabilidade Fiscal ser considerada um marco histórico e bem sucedido, a rigor ela está longe de ter resolvido a questão.
As aposentadorias e despesas de saúde, em torno de 160 bilhões, são financiadas com as contribuições da nova geração, que são contabilmente dívidas a serem pagas quando estes se aposentarem.
Muitos acadêmicos discordam, achando que contribuições previdenciárias são receitas do exercício.
E, é assim que a Lei da Responsabilidade trata as “contribuições previdenciárias” que você contribui todo mês.
Como uma receita para ser gasta, e não investida em projetos de rentabilidade futura.
Administradores e Contadores acham que estas contribuições previdenciárias deveriam ser contabilizadas como Dívidas a Pagar como Crédito, e Caixa como Débito.
O dinheiro pode sim ser usado para pagar os aposentados de hoje, mas esta Dívida Futura precisa sim ser registrada.
O correto novamente é não gastar este dinheiro em caixa, mas investi-lo.
Todos que contribuem hoje, acham que poderão um dia se aposentar, e não sabem que o dinheiro para tal já foi gasto e sequer provisionado.
Fundos de Pensão bem administrados fazem isto. Creditam Aposentadorias a Pagar como Crédito e debitam Investimentos, que serão administrados por 30 anos para pagarem as aposentadorias futuras. Gastar estas “contribuições”, jamais. Isto é pratica dos adeptos da Economia Política, pelo menos foi assim de 1964 para cá.
3. Nos casos de obras faraônicas que precisam de empréstimos vultosos e de prazos longos, como fica.
De fato, temos um problema como a Construção de Itaipu que leva anos, e não há governo de 4 anos que possa arrumar os recursos necessários.
Uma alternativa ética é deixar que o setor privado financie, e corra o risco. Não haveria risco de “superfaturamento”, nem de obras faraônicas. Obras faraônicas sempre são realizadas com o dinheiro dos outros.
O caso Belo Monte teria sido um caso onde o setor privado teria corrido o risco, e assumido a dívida por inteiro, como foi a Hidroelétrica de Juruá. Também veremos este caso em lições futuras.
Uma saída para o caso de Itaipu poderia ter sido exigir aprovação do Congresso por unanimidade, ou por 80% dos partidos, tendo assim aprovação dos futuros governos, pelo menos a princípio.
4. Um governo pode construir uma obra, que durará 50 anos, pagando à vista? Por quê?
Se um governo não pode contrair uma dívida por 50 anos, ele poderia construir uma siderúrgica que provavelmente durará 50 anos. Isto não seria comprometer um governo futuro?
O próximo governo, insatisfeito com o investimento do governo anterior, poderá sempre vender a siderúrgica, mas nem sempre terá como saldar uma dívida contraída.
Um governo pode colocar uma estátua em praça púbica, mas o princípio da democracia é que o próximo governo tem o direito de retirá-la, o que não ocorre com dívidas contraídas.
5. O governo brasileiro lançou em 2000 o Brasil 2040, uma dívida externa de 40 anos com juros indeterminados, com enorme cobertura favorável da imprensa econômica. Podem os assessores bem intencionados de um governo endividar os assessores igualmente bem intencionados dos próximos 10 governos?
Quando se fala de governo futuros, normalmente se pensa no mesmo conjunto de eleitores com a saudável alternância de poder. No caso de 40 anos, os eleitores serão diferentes. Pode um governo endividar uma futura geração que sequer nasceu?
6. Se fizermos uma lei que limite o endividamento, qual seria esta métrica a nível de Prefeitura, Estado e União Federal? Qual foi a métrica usada pela Lei de Responsabilidade Fiscal?
A Lei de Responsabilidade Fiscal tenta reduzir o endividamento do estado limitando em 60% os gastos com funcionalismo. É a melhor métrica para endividamento?
Existe uma relação muito indireta entre gastos de funcionalismo e endividamento, mas ela não é consequência direta.
Além do mais, todo limite Máximo em lei, se torna o Mínimo logo em seguida. Estado que gastava 45% em funcionalismo antes da Lei, agora gasta 60%. “Vamos contratar, Sr. Prefeito, a lei permite até 60%.”
A métrica ideal seria limitar o endividamento a X% do Patrimônio do Estado, ou Y% dos Ativos Pertencentes ao Estado, ou limitar os juros da dívida a Z% das Receitas, métricas mais diretamente ligadas a dívida.
7. Quais as dívidas ocultas dos governos, contraídas por governos passados e que terão de ser pagas por governos futuros?
Como vimos, dívidas previdenciárias não foram contempladas pela Lei de Responsabilidade Fiscal, o que não era problema porque sua métrica era gasto com funcionalismo.
Portanto, a Lei de Responsabilidade Fiscal não é uma lei que resolve o problema, apesar de todos os elogios.
Será uma lei que fatalmente será mudada pelos seus erros elementares, e é nessa mudança que reside o grande perigo.
Por estas e outras pessoas diplomadas dão péssimos administradores públicos.
E daonde se tiraria a diferença, dos que nunca contribuiram 1 centavo para previdência e recebem? (aposentadoria rural, funcionários públicos, pensões etc).
3. Nos casos de obras faraônicas que precisam de empréstimos vultosos e de prazos longos, como fica?
R: ué, normalmente não é ao contrário? O Governo constroi. E o filho do governador abre uma empresa e põem as cancelas do pedágio.
Que empresa tem caixa para fazer uma Hidroelétrica, Metro, Estrada? A não ser Vale e Petrobras.
A crise na Grécia foi causada em parte por dívidas da Olimpíada, que não tiveram o retorno de longo prazo esperado. Administrador enxerga e muito. (Quem estava feliz com a Coca e as Olimpiadas).
O próximo governo, insatisfeito com o investimento do governo anterior, poderá sempre vender a siderúrgica, mas nem sempre terá como saldar uma dívida contraída. (E perder as eleições sendo acusado de vender o país, tal como a Vale?)
Acho que os tópicos abordados mereceriam um aprofundamento suficiente para virar um abaixo-assinado e ir pra Câmara a fim de ser votado como lei popular.
O poder de articulação top-down daria muito certo. Eu consigo pelo menos umas 200 pessoas que assinariam isso.
Que tal o senhor escrever e nós assinarmos?
Abraços!
Marconi
Escrevo somente para fazer um pequeno esclarecimento em relação ao posicionamento do Sr. Wasabi.
De fato, as aposentadoria rurais são pagas sem ter tido qualquer contribuição do trabalhador: o que vejo diariamente em meu trabalho na Justiça Federal é pessoas serem aposentadas simplesmente pelo aspecto do rosto e das mãos.
Devo, no entanto, esclarecer que o funcionalismo público paga sim as contribuições sociais. Todos os meses uma parte bem gorda de minha remuneração é tomada por elas.
Aproveito para elogiar o Sr. Stephen Kanitz por suscitar essa questão do comprometimento orçamentário e também por tantos outros artigos que nos fazem pensar as coisas sob um outro ponto de vista.
Um abraço.
É! O comentário do Wasabi, esboça uma sútil indicação da subiliminar forma que o professor Kanitz, introduz na mente dos leitores de seus textos a ideologia do PT.
O Alemão é uma simpatia!! Como o amor é profundo eu não consigo ficar magoado. Quem ama perdoa!!!
Eu nunca nem de leve considereia arrecadação para as aposentadorias como receita para custeio. Aí VC está coberto de razão. Seria quase um dinheiro “sagrado”, Tendo que ser gerido com grande propriedade, conhecimento e competência para cumprir seu destino de segurança aos aposentados. E não receita para cumprir gastos gerais do governo. Gozado! Ainda hoje é assim, e é o sacrossanto PT.
Kanitz VC tem cada uma! Quem confidenciou aos seus ouvidos que os militares queriam ficar 50 anos no poder? Uma dívida com perfil de trinta anos deverá ser paga por oito mandatos.
Entendo que VC como administrador queira sempre ter um perfil SOLVENTE, e que tenha um contrôle para que não escape a coerência administrativa. Investimento em infra estrutura às vezes da importância e tamanho que tenha, consome mais de um governo da aprovação, projetos e conclusão; Após isso amortização.
O Governo Lula bate no peito dizendo que as reservas em Dólares já são hoje maiores do,que a dívida externa, e o coitado do trabalhador mete o voto na urna! E bate no peito “os gringo deve pra nois”, mas o infeliz não vê que a dívida interna segura +ou- 22% do pib só para o serviço no pagamento de juros. Saúde 6% educação 3,5%.
Kanitz, como administrador sério, faça um comentário sobre o fato da dívida interna entregue por FHC ser de 800 bilhôes e ter batido no final de fevereiro 1,5 TRILHÃO.
Tem mais, um país de políticos safados na maioria deles, não teria a estabilidade administrativa vista hoje nos municípios em geral, não fosse a lei de responsabilidade fiscal. Precisa de ajustes? Talvez. melhorou a administração pública? Com certeza.
Gefferson VC captou legal!!!
É só começar a emprestar dinheiro que não tem ao FMI
Sbroglio, se o PT realmente tem essa filosofia de governo, por mais que eu não estivesse muito interessado nisso, você acabou de me deixar com vontade de votar na Dilma!
Prof. Kanitz, uma vez mais gostei muito de seu texto, mas como colega administrador que sou, gostaria de fazer algumas considerações.
Apesar das questões éticas e democráticas, acredito que investimentos públicos devam seguir a mesma lógica que os empresariais: gasta-se uma fortuna hoje, e paga-se com juros ao longo de anos, visando aumentar a receita amanhã. O que deveria então nortear os investimentos do governo? Aumentar a receita com a arrecadação de impostos pode ser um bom limitador. Mas se essa for a métrica, a arrecadação deve vir diretamente dos efeitos das obras de infra-estrutura, não de novos impostos.
Ou seja, as obras endividam o estado por anos, incluindo o próximo governo, mas dão condições ao setor privado e à população de gerarem riqueza de modo que com esse aumento, aumente-se a arrecadação de impostos do estado suficientemente (ou mais) pra pagar a dívida. E depois é só colher os frutos!
Mas só a receita de impostos deve ser a métrica! De jeito nenhum! Eu vejo o governo como responsável pelo aumento da qualidade de vida da população, e acho que mesmo investimentos que não tragam retornos financeiros diretos devem ser feitos, mas pensar em métrica nisso outra discussão bem mais complexa. Daí eu pergunto: Por que não fazer um BSC pro governo? O que é importante o governo fazer pelo país? Prof., se possível, gostaria que o Sr. desse sua opinião a este respeito, dizendo quais perspectivas o Sr. criaria para um BSC do governo.
Mais uma vez, o grande problema é a falta de profissionalismo na gestão pública Brasileira. As decisões que deveriam ser tomadas técnicamente são tomadas politicamente. Realizar isso no Brasil seria um problema, e não só pelo PT (muito mais pelo PMDB, mas também, não só por ele), mas pelo sistema político corrupto que já está instaurado e dificilmente será corrigido.
Outra coisa que acho interessante dizer é que o Brasil é um país cheio de estatais justamente porque por muitas décadas não havia capital privado capaz de realizar esse tipo de investimento aqui no Brasil. Se o governo ditatorial tivesse esperado haver pra construir Itaipu, com certeza hoje não teríamos produção de energia elétrica suficiente pra o Brasil ser o que é. Talvez hoje já haja capital pra Belo Monte, mas não sei quantos estão dispostos a assumir o risco.
Continue nos enriquecendo com seus brilhantes artigos, professor! Abraços!
Há mais algumas coisas que esqueci de dizer:
1 – Quanto a limitações do quanto um governo poderia endividar o(s) seguinte(s), poderia se estabelecer um payback time máximo para o que motivou o endividamento, utilizando a taxa de juros da dívida como taxa de desconto. Ao mesmo tempo, pode-se estimar o VPL do projeto utilizando estimativas de crescimento no arrecadamento de impostos. Estimativas essas realizadas por profissionais capazes de fazê-las, claro.
2 – Governos posteriores também podem se desfazer da dívida deixada pelo anterior a um custo, como o prof. Kanitz bem destacou, porém, isso acontece também quando um presidente de uma empresa resolve desinvestir. Sempre há alguma perda, mas pressupõe-se que o prejuízo do desinvestimento seja menor do que o de manter um investimento mal sucedido. É o conceito de loss stop, que eu sozinho realmente não vejo nenhum argumento bom o bastante pra que isso não se aplique.
O problema da realidade é que esse tipo de decisão não se nortearia pela viabilidade técnica do projeto, e sim pela problemática política ressaltada pelo Wasabi. Aqui no Brasil, quem fizer isso tem grandes chances de não se reeleger e de não eleger sucessor.
Senhor Kanitz,
Considero o colocado nesta reflexão, bom para o cenário/contexto das próximas eleições…que tal ?
Penso , o desafio dos os “especialistas” é fazer o tema ser compreendido por “aqueles que votam, em todos os níveis” …
Bom dia !
O raciocínio é perfeito.
O problema é que temos uma questão política histórica, que é quase impossível de mudar. Desde os tempos que os Rothschilds começaram a financiar os dois lados de guerras na Europa, a tentação de pegar dinheiro fácil hoje e passar a batata quente para a frente têm sido enorme.
Hoje, todos os governos estão nas mãos dos mesmos Rothschilds, dos Warburgs, do Goldman Sachs. Até a juíza da Corte Suprema americana trabalhou para o Goldman Sachs!
Um politico fora deste esquema, que está no poder desde o século XVIII, NUNCA será eleito.
A única solução é expor este esquema de poder.
Professor,
Alguma coisa não está certa. Ainda não consegui formar um juízo consistente sobre o assunto da formação da riqueza de um povo e seu país; estou um tanto desnorteado com alguns vídeos que assisti no youtube, como por exemplo Money as Debt de Paul Grignon. Me parece que a administração eficiente dos recursos ganhos através do trabalho e da poupança é uma estratégia eficaz no âmbito individual das pessoas e das empresas, mas não o é para o sistema econômico como um todo. Por exemplo, o que aconteceria com a economia mundial caso os asiáticos se tornassem, de uma hora para outra, gastadores ao invés de poupadores? Quem financiaria o consumo desenfreado dos norte-americanos? Quem compraria os títulos da dívida americana? E se os americanos não tivessem mais crédito para consumir, quais seriam as conseqüências para os demais produtores mundiais? A solução seria imprimir dinheiro, notas verdadeiras, e as distribuir em forma de salários e outras formas de gastos? Enfim, todas essas perguntas não me permitem, até o momento, encontrar a conexão entre as teorias econômicas e as práticas administrativas que o Sr. considera como sendo mais eficientes para o desenvolvimento de uma nação. Alguma sugestão de leitura?